Antonio
Gramsci AFI: [anˈtɔːni̯o ˈgramʃi]
nasceu no norte da ilha mediterrânea da Sardenha. Era o quarto dos sete filhos de
Francesco Gramsci, um homem que tinha vários problemas com a polícia. Sua
família passou por diversas comunas da Sardenha até finalmente
instalar-se em Ghilarza.
Tendo
sido um bom estudante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade
de Turim. A
cidade de Turim, à época, passava por um rápido
processo de industrialização, com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões da
Itália. Os sindicatos se fortaleceram e começaram a
surgir conflitos sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e
associou-se com imigrantes sardos.
Sua
situação financeira, no entanto, não era boa. As dificuldades materiais
moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se
ao Partido Socialista Italiano.
Gramsci,
em Turim, tornou-se jornalista. Seus escritos eram basicamente
publicados em jornais de esquerda como Avanti (órgão oficial do Partido
Socialista). Sua prosa e a erística de suas observações lhe proporcionaram
fama.
Sendo
escritor de teoria
política, Gramsci
produziu muito como editor de diversos jornais comunistas na Itália. Entre
estes, ele fundou juntamente com Palmiro Togliatti em 1919 L'Ordine Nuovo, e contribuiu para La Città
Futura.
O grupo
que se reuniu em torno de L'Ordine Nuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a ampla facção Comunista
Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido
desde sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança
em 1924. Suas teses foram adotadas pelo
PCI no congresso que o partido realizou em 1926.
Em 1922 Gramsci foi à Rússia representando o partido, e lá
conheceu sua esposa, Giulia Schucht, uma jovem violinista com a qual teve dois filhos.
Esta
missão na Rússia coincidiu com o advento do fascismo na Itália, e Gramsci - que a
princípio havia considerado o fascismo apenas como uma forma a mais de reação
da direita - retornou com instruções da Internacional no sentido de incentivar
a união dos partidos de esquerda contra o fascismo. Uma frente deste tipo teria
idealmente o PCI como centro, o que permitiria aos comunistas influenciarem e
eventualmente conseguirem a hegemonia das forças de esquerda, até então
centradas em torno do Partido Socialista Italiano, que tinha uma certa tradição
na Itália, enquanto o Partido Comunista parecia relativamente jovem e radical.
Esta proposta encontrou resistências quanto a sua implementação, inclusive dos
comunistas, que acreditavam que a Frente Única colocaria o jovem PCI numa
posição subordinada ao PSI, do qual se tinha desligado. Outros, inversamente,
acreditavam que uma coalizão capitaneada pelos comunistas ficasse distante dos
termos predominantes do debate político, o que levaria ao risco do isolamento
da Esquerda.
1924, Gramsci foi eleito deputado
pelo Veneto. Ele começou a organizar o
lançamento do jornal oficial do partido, denominado L'Unità, vivendo em Roma enquanto sua família permanecia em Moscou.
Em 1926, as manobras de Stalin dentro do Partido Bolchevista levaram Gramsci a escrever uma
carta ao Komintern, na qual ele deplorava os erros
políticos da oposição de Esquerda (dirigida por Lev Davidovitsch
Bronstein e Zinoviev) no Partido Comunista Russo,
porém apelava ao grupo dirigente de Stalin para que não expulsasse os
opositores do Partido. Togliatti, que estava em Moscou como representante do
PCI, recebeu a carta e a abriu, leu e decidiu não entregá-la ao destinatário.
Este fato deu início a um complicado conflito entre Gramsci e Togliatti que
nunca chegou a ser completamente resolvido. Togliatti, posteriormente,
divulgaria a obra de Gramsci após sua morte, mas evitou cuidadosamente qualquer
menção às suas simpatias por Trotsky.
Em 8 de novembro de 1926, a polícia italiana prendeu Gramsci e o levou a prisão
romana Regina Coeli. Foi condenado a 5 anos de confinamento (na remota
ilha de Ústica); no ano seguinte ele foi condenado a vinte anos
de prisão (em Turi, próximo a Bari, na Puglia). Sua saúde neste momento começava a declinar
sensivelmente. Em 1932, um projeto para a troca de
prisioneiros políticos entre Itália e União
Soviética, que
poderia dar a liberdade ao Gramsci, falhou. Em 1934 sua saúde estava seriamente abalada e ele recebeu
a liberdade condicional, após ter passado por alguns hospitais em Civitavecchia, Formia e Roma. Gramsci faleceu aos 46 anos, pouco tempo depois
de ter sido libertado.
Os 32
Cadernos do Cárcere, de 2.848 páginas, não eram destinados à publicação. Trazem
reflexões e anotações do tempo em que Gramsci esteve preso, que começaram a 8
de Fevereiro de 1929 e terminaram em Agosto de 1935, por conta dos seus
problemas de saúde. Foi Tatiana Schucht, sua cunhada, que os enumerou, sem
todavia levar em conta sua cronologia.
Depois do
final da guerra, os Cadernos, revisados por Felice Platone, foram publicados
pela editora Einaudi – juntamente com as cartas que, da prisão, escrevia a
familiares – em seis volumes, ordenados por temas, com os seguintes títulos:
- Il materialismo storico e la
filosofia di Benedetto Croce 1948
- Gli intellettuali e
l'organizzazione della cultura 1949
- Il Risorgimento 1949
- Note sul Machiavelli, sulla
política e sullo Stato moderno 1949
- Letteratura e vita nazionale
1950
- Passato e presente 1951
Foi
somente em 1975, graças a Valentino Gerratana, que os Cadernos foram
publicados segundo a ordem cronológica em que foram escritos. Também foram
recolhidos no mesmo volume todos os artigos de Gramsci nas publicações Avanti!, Grido del popolo e L'Ordine nuovo.
A
influência póstuma de Gramsci encontra-se associada principalmente aos mais de
trinta cadernos de análise que escreveu durante o período em que esteve na
prisão. Estes trabalhos contêm seu pensamento sobre a história
da Itália e nacionalismo, bem como ideias sobre teoria
crítica e educacional que são frequentemente associadas com o seu nome, tais
como:
- Hegemonia cultural;
- A ampliação da concepção
Marxista de Estado;
- A necessidade de educar os
trabalhadores e da formação de intelectuais provenientes da classe
trabalhadora, que ele denomina “intelectuais orgânicos”;
- A distinção entre a
sociedade política e a civil;
- O historicismo absoluto;
- A crítica do determinismo
económico;
- A crítica do materialismo
filosófico.
Gramsci é
famoso principalmente pela elaboração do conceito de hegemonia e bloco hegemónico, e também por focar o estudo dos
aspectos culturais da sociedade (a chamada super-estrutura no marxismo
clássico) como elemento a partir do qual se poderia realizar uma acção política
e como uma das formas de criar e reproduzir a hegemonia.
Alcunhado
em alguns meios como o “marxista das super-estruturas”, Gramsci atribuiu um
papel central à diálise infra-estrutura (base real da sociedade, que inclui
forças de produção e relações sociais de produção)/ super-estrutura
("ideologia", constituída pelas instituições, sistemas de ideias,
doutrinas e crenças de uma sociedade), a partir do conceito de "bloco
hegemónico".
Segundo
esse conceito, o poder das classes dominantes sobre o proletariado e
todas as classes dominadas dentro do modo de produção capitalista, não reside
simplesmente no controlo dos aparatos repressivos do Estado. Se assim fosse,
tal poder seria relativamente fácil de derrocar (bastaria que fosse atacado por
uma força armada equivalente ou superior que trabalhasse para o proletariado).
Este poder é garantido fundamentalmente pela "hegemonia" cultural que
as classes dominantes logram exercer sobre as dominadas, através do controlo do
sistema
educacional, das instituições
religiosas e dos meios
de comunicação. Usando
deste controlo, as classes dominantes "educam" os dominados para que
estes vivam em submissão às primeiras como algo natural e conveniente, inibindo
assim sua potencialidade revolucionária. Assim, por exemplo, em nome da
"nação" ou da "pátria", as classes dominantes criam no povo
o sentimento de identificação com elas, de união sagrada com os exploradores,
contra um inimigo exterior e a favor de um suposto "destino nacional".
Assim se forma um "bloco hegemónico" que amalgama a todas as classes
sociais em torno de um projecto burguês.
A
hegemonia é o conceito que permite compreender o desenrolar da história
italiana e da Ressurreição particularmente, que poderia ter
adquirido um carácter revolucionário se contasse com o apoio de vastas massas
populares, em particular dos camponeses, que constituíam a maioria da
população. Limitou o alcance da revolução burguesa em Itália o facto de não ser
guiada por um partido jacobino, como em França, onde a participação camponesa,
apoiando a revolução, foi decisiva para a derrota das forças da reacção
aristocrática.
O partido
político mais avançado foi o Partido da Acção, de Manzzini e Garibaldi, que não
teve, todavia, a capacidade de pleitear uma aliança das forças burguesas
progressistas com o campesinato: Garibaldi na Sicília distribuiu as terras
entre os camponeses, porém os próprios garibaldinos esmagaram sem piedade os movimentos
de insurreição dos campesinos contra os barões da terra.
O Partido
da Acção desempenhou um papel de elemento progressista nas labutas da
Ressurreição, mas não de força dirigente, porque foi liderado pelos moderados,
tanto que os cavourianos conseguiram encabeçar a revolução burguesa, absorvendo
tanto os radicais como os adversários destes. Isto ocorreu porque os moderados
cavourianos mantiveram uma relação orgânica assim com seus intelectuais, como
com seus políticos, proprietários rurais e dirigentes industriais. As massas
populares tiveram papel de espectadores não acordo entre os capitalistas do
norte e os latifundiários do sul. Para conquistar a hegemonia no lugar dos
moderados, liderados por Cavour, o Partido da Acção deveria
ter-se “ligado às massas rurais, especialmente as do sul, ser jacobino [.]
especialmente no conteúdo económico-social. A união das várias classes rurais
em um bloco reaccionário, através de diversos núcleos intelectuais
legitimistas-clericais, poderia ser dissolvida pelo advento de uma nova
formação liberal-nacional, somente se se fizessem esforços voltados para duas
frentes: para base camponesa, aceitando suas reivindicações, e, segundo, para
os intelectuais dos estratos meios e inferiores.”[1]
A
supremacia de um grupo social se manifesta por dois modos: primeiro, pelo
domínio e, segundo, pela direcção intelectual e moral. Um grupo social domina
os grupos adversários que tenda liquidar ou a submeter inclusive com a força
armada e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e deve ser
dirigente antes de conquistar o poder governamental: esta, aliás, é uma das
condições principais para a própria conquista do poder. Posteriormente, quando
exerce o poder, torna-se dominante, mas deve continuar sendo dirigente também.
Analisando
o processo da Ressurreição, Gramsci considera que a função de classe dirigente
ficou com Piemonte, ainda que existissem em Itália núcleos de classe dirigente
favoráveis à unificação, “estes núcleos nada queriam dirigir, isto é, não
queriam conciliar seus interesses e aspirações com os de outros grupos. Queriam
dominar, não dirigir e, todavia, queriam que seus interesses prevalecessem, não
suas próprias pessoas, isto é, queriam que uma força nova, independente de todo
compromisso e condição, se torna-se árbitra da Nação: esta força foi Piemonte”,
que teve uma função comparável à de um partido.
“Este
facto é da máxima importância para o conceito de revolução passiva, pois não
foi um grupo social o dirigente de outros grupos, sim um estado, ao mesmo tempo
limitado como potência e dirigente do grupo que deveria ser dirigente e pudesse
pela disposição deste um exército e uma força político-diplomática… É um dos
casos nos quais se tem a função de domínio e não de direcção destes grupos,
ditadura sem hegemonia.”
A
hegemonia é, portanto, o exercício das funções de direcção intelectual e moral
unida àquela do domínio do poder político. O problema para Gramsci está em
compreender como pode o proletariado ou em geral uma classe dominada,
subalterna, tornar-se classe dirigente e exercer o poder político, ou seja,
converter-se em uma classe hegemónica.
As classes
subalternas – subproletariado, proletariado urbano, rural e também a pequena
burguesia – não estão unidas e sua união ocorre somente quando “se convertem em
Estado”, quando chegam a dirigir o Estado, de outra forma desempenham uma
função descontinua e desagregada na história da sociedade civil dos estados
singulares. Sua tendência à unificação “se despedaça continuamente por
iniciativa dos grupos dominantes” dos quais elas “sofrem sempre a iniciativa,
ainda quando se rebelam e se insurgem”.
A hegemonia
é exercida unindo-se um bloco social – criando então a aliança política de um
conglomerado de classes sociais diferentes. Em Itália, o bloco social não é
homogéneo, sendo formado por industriais, proprietários rurais, classes médias
e parte pequena da burguesia. Este bloco é, portanto, sempre entrecortado por
interesses divergentes. Mas, mediante uma política, uma cultura e uma ideologia
ou um sistema de ideologias, impedem que os conflitos de interesses,
permanentes até quando são latentes, explodam, provocando a crise da ideologia
dominante e uma decorrente crise política do sistema de poder.
A crise
da hegemonia se manifesta quando, ainda que mantendo o próprio domínio, as
classes sociais politicamente dominantes não conseguem mais ser dirigentes de
todas as classes sociais, isto é não conseguem resolver os problemas de toda a
colectividade e a impor a toda a sociedade a própria complexa concepção do
mundo. A classe social subalterna, se consegue indicar soluções concretas aos
problemas deixados sem solução, torna-se dirigente e, expandindo sua própria
cosmovisão a outros estratos sociais, cria um novo bloco social, que se torna
hegemónico. Para Gramsci, o momento revolucionário volta-se inicialmente para o
nível da superstrutura, em sentido marxista, isto é, político, cultural, ideal,
moral. Mas, trespassa a sociedade em sua complexidade, indo ao encontro com sua
estrutura económica, isto é, todo o bloco histórico— termo que para Gramsci
indica o conglomerado da estrutura e da superstrutura, as relações sociais de
produção e seus reflexos ideológicos.
Em
Itália, o exercício da hegemonia das classes dominantes sempre foi parcial:
entre as forças que contribuem à conservação do bloco social estão a Igreja
Católica, que se bate para manter a unidade doutrinária de modo e evitar entre
os fiéis fracturas irremediáveis que no entanto existem e que ela não pode
sanar, mas somente controlar: “A Igreja romana foi sempre a mais tenaz na luta
para impedir que oficialmente se formem duas religiões, uma dos intelectuais e
outra das almas simples”. Luta que, se por um lado, teve graves consequências,
conectadas “ao processo histórico que transforma toda a sociedade civil e que
em bloco contem uma crítica corrosiva das religiões”, por outro, fez ressaltar
“a capacidade organizadora na esfera da cultura do clero” que deu “certas
satisfações às exigências da ciência e da filosofia, mas com um ritmo tão lento
e metódico que as mutações não são percebidas pela massa dos simples, ainda que
estas pareçam revolucionárias e demagógicas aos fundamentalistas.”
Nem mesmo
a cultura de timbre idealista, que, ao tempo de Gramsci, era dominante e
exercida pelas escolas filosóficas crocianas e gentilianas, “soube criar uma
unidade ideológica entre o baixo e o alto, entre os simples e os intelectuais”.
Tanto é que esta cultura, ainda que considerando a religião uma mitologia, não
ao menos “tentou construir uma concepção que pudesse substituir a religião na
educação infantil”, e estes pedagogos, ainda que não fossem religiosos nem
confessionais, ou mesmo que fossem ateus, “concordam com o ensino religioso
porque a religião é a filosofia da infância da humanidade, que se renova em
cada infância não metafórica”. Também a cultura laica “dominante” utiliza pois
a religião, porque não trata do problema de elevar às classes populares ao
nível das dominantes, mas, ao contrário, quer mantê-la em uma posição
subalterna.
A
fractura entre os intelectuais e os simples pode ser sanada por uma política
que “não tenda manter os simples em sua filosofia primitiva do sentido comum,
mas, ao invés disso, que os leve a uma concepção superior da vida”. A acção
política empreendida pela “filosofia da práxis” (como Gramsci chama o
marxismo), opondo-se às culturas dominantes da Igreja e do idealismo, pode
elevar os subalternos a uma “consciência superior da vida. Isto afirma a
exigência do contacto entre os intelectuais e os simples, que não é para
limitar a actividade científica ou por manter uma unidade ao baixo nível das
massas, mas para construir um bloco intelectual e moral que torne politicamente
possível um progresso intelectual de massa e não somente de escassos grupos
intelectuais.” [2] Logo, a via para a hegemonia do
proletariado passa por uma reforma cultural e moral da sociedade.
Porém, “o homem activo da massa”, isto é a
classe operária, em geral não é cônscia nem da função que pode desempenhar nem
da sua condição real de subordinada. O proletariado, de acordo com Gramsci,
“não tem uma clara consciência teórica de sua forma de trabalhar, que também é
um conhecimento do mundo enquanto o transforma. Assim, sua consciência teórica
até pode estar conflito com sua forma de trabalhar”. Ele trabalha de modo
prático e ao mesmo tempo tem uma consciên
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